terça-feira, 18 de setembro de 2012

Que é nossa vida?


O que parecia uma infecção simples começou a complicar. O contra-ataque dos antibióticos via oral não conseguiu barrar a ação bacteriana. Ao perceber que o surgimento de grandes áreas vermelhas e duras em diferentes partes do corpo, os médicos não tiveram dúvida: o risco de choque séptico era altíssimo, portanto a internação era urgente. Foi tudo tão de repente que, quando soubemos, já havia dias que a irmã estava no hospital. Depois de vinte e um dias recebendo doses intravenosas de potentes antibióticos a cada quatro horas, a irmã já se mostrava bem mais disposta. “Pastor, eu não estava sentindo nada, quando notei esse vermelhidão na coxa. Foi preciso uma cirurgia para a retirada da secreção. Os médicos ficaram assustados e se empenharam para achar o primeiro hospital onde houvesse vaga. Agora está muito melhor, mas a minha coxa direita ficou dura como um pedaço de madeira ”.
                O que aconteceu com a nossa irmã, não era algo incomum. Ela fora acometida por um tipo de bactérias que todos nós, em geral, as conduzimos no corpo. O estafilococos aureus está presente na pele, boca e intestino de quase todas as pessoas, às vezes formando colônias. Em geral não causam doenças enquanto permanecem nesses locais, mas quando encontram uma brecha por meio de ferimentos, podem ter acesso à corrente sanguínea espalhando infecções pelo organismo. Se isso ocorrer quando nossa imunidade estiver baixa, a invasão bacteriana pode levar a um fim catastrófico. No meio da conversa, além da explanação genérica sobre microbiologia, a irmã parou pensativa... “Pastor, nós não somos nada. Num instante a gente fica doente. A maior tolice é pensar que somos alguma coisa”.
                Na sábia reflexão da irmã, reportei-me mentalmente ao livro recentemente lido acerca de José Alencar. Uma das palavras que sempre aparecia nas suas entrevistas ao repórter que registrou sua luta ao longo de cinco anos foi: humildade. Não sei se ao longo dos anos, quando se tornou um dos homens ricos do Brasil, Alencar pensou muito nisso. Mas agora, caminhando no limiar entre a vida e a morte, tendo tudo que alguém podia desejar nessa vida, mas sem recursos para modificar o seu quadro crítico, ele podia ver seu real tamanho... “...chego à conclusão que, à medida que vai passando o tempo, a gente vai se engajando cada vez mais com o compromisso de pedir a Deus humildade. Eu tenho pedido humildade...”. 
                Principalmente em tempos de enfermidades, fica ressaltada a fragilidade humana. Caem as suposições e a realidade mostra sua face. Nessas horas, a velha pergunta, que tanto preocupou os pensadores, volta com toda força: Quem somos nós? E a resposta é sempre humilhante, pois a enfermidade que afeta o nosso corpo indica quão insegura é a nossa vida. A debilidade do nosso corpo elimina qualquer resquício de autossuficiência. Desse modo, embora às vezes sem querer, terminamos concordando com Abraão “somos pó e cinza”.
                Se por meio da enfermidade aprendermos que nada somos e dependemos totalmente do Senhor, podemos afirmar que a ferida no corpo é cura para a alma. E nisso, Deus há de ser glorificado. 
                Diante da realidade da nossa inescapável fragilidade, muitos preferem viver de aparências, enganando a si mesmos. Investem grandes somas de tempo e dinheiro a fim de embelezar o corpo passageiro, deixando de lado o espírito eterno. E assim seguem uma doce e perigosa ilusão, sem considerar a verdade de que “todo homem, por mais firme que esteja é pura vaidade ”(Sl. 39.5).
                Na saúde Deus nos mantém, na doença Ele nos sustenta. Sadios ou doentes somos dependentes dEle, e o melhor é aquilo que O glorifica. Nada somos, Deus é tudo.

                A serviço do Mestre,
                Pr. Jenuan Lira.

terça-feira, 4 de setembro de 2012

PERFEIÇÃO SEM PERFECCIONISMO


Não sejas demasiadamente justo, nem demasiadamente sábio; por que te destruirias a ti mesmo?Ec. 7:16.

            Embora levando uma vida normal aos olhos das pessoas, o casal tinha uns sérios dilemas. No gabinete pastoral, enquanto falávamos de várias coisas importantes, mas periféricas, a esposa tomou a palavra e com lágrimas foi direto ao ponto: “Pastor, o problema é que por mais que me esforce, nunca consigo agradar meu esposo. Minha sensação é que jamais vou atingir suas expectativas. Estou sempre em falta, e por mais que tente mudar, ele não reconhece porque ele não aceita menos de cem por cento”. A avaliação era exata: Seu marido era um perfeccionista assumido.
            O pior pecado é aquele que tem as vestes da virtude. O perfeccionismo é exatamente assim. É um pecado tão “perfeito” que é difícil percebermos seu lado negro. Por isso, muitos passam a vida sofrendo suas consequências e nunca se dão conta de quão destrutivo é o perfeccionismo.
Para se ter uma ideia de quão sério é esse pecado, basta notar que  o perfeccionismo é uma carga tão pesada que esmaga seu ‘hospedeiro’ e os que estão a sua volta. Todo perfeccionista vive um dilema insolúvel: ele deseja atingir a perfeição, em um mundo imperfeito. Seu padrão elevado demais é irreal e inatingível. Por mais esforço que seja empreendido, sua medida nunca se enche. Tanto para si mesmo, quanto para os outros, há sempre algo faltando. Por essa razão, o perfeccionista tem grande dificuldade em relaxar e ficar satisfeito. Ele não descansa até que o mínimo detalhe se resolva completamente. Ele quer tudo bem definido, até o indefinível. Se não atingir cem por cento, ele não se satisfaz com noventa e nove. O efeito disso ele sente no corpo e na alma, e seu desequilíbrio resvala para quem está nas imediações.
Na base de todo perfeccionismo há um problema crucial: idolatria disfarçada de excelência. Quem luta com esse pecado tem seus olhos não em Deus, mas no resultado acabado do seu esforço. Ele ama a perfeição como um fim em si mesma. Não que Deus não possa ser adorado com nosso zelo em tudo que fazemos. Pode, sim, e deve. Decência e ordem agradam a Deus. Mas o perfeccionista não tem a glória de Deus como seu primeiro alvo. Antes, ele se deleita na beleza, harmonia, pontualidade e precisão porque tais coisas são fruto do seu esmero e afirmam sua boa reputação. No final, é o seu nome que está em jogo. Quando os planos não se cumprem, os acordos não são honrados e os horários atrasados, a pessoa que adora a perfeição sente-se tremendamente frustrada. Como se diz na fala popular: o mundo se acaba. Um pequeno problema ganha dimensões inimagináveis, e o perfeccionista se abate não pela desonra ao Nome de Deus, mas pelo desgaste do seu próprio nome. No final das contas, o perfeccionista exalta a si mesmo, pois como Deus fizera no princípio da criação, ele também avalia sua obra e declara: “Eis que o que eu fiz é muito bom”.


            Em termo de relacionamentos pessoais, a pessoa perfeccionista está sempre em alguma dificuldade. Seu zelo e senso de retidão é exagerado demais e por isso ele tem grande dificuldade em ser misericordioso. Para ele o que deve ser feito tem que ser feito. Caso contrário, o transgressor deve receber a justa punição. Perfeccionismo e legalismo são parentes muito aproximados.
Relendo a história bíblica do rei Ezequias cheguei à seguinte conclusão: Deus é perfeito, mas não é perfeccionista. Deus zela por Sua lei, mas ele não é legalista. Foi o que notei no relato da celebração da páscoa promovida pelo rei.  Em II Cr. 30. 18 lemos que uma multidão de várias tribos de Israel comeu a páscoa, não como estava prescrito por Deus. Ezequias estava promovendo reformas espirituais em uma nação que há muito tinha se desviado de Deus. Ao sentirem novamente a vibração da possibilidade de renovar sua comunhão com Deus, o povo atropelou alguns preceitos que Deus havia dado a Moisés, quanto ao cerimonial da páscoa. Vendo isso, Ezequias orou pelo povo, e pediu misericórdia para que todos que tinham disposto o coração para buscar ao Senhor, embora não seguindo o ritual de purificação. Ezequias notou que o povo não tinha seguido cuidadosamente o que Deus havia ordenado por meio de Moisés. O rei não fez de conta que não era nada, mas suplicou misericórdia ao Senhor. E o Senhor ouviu a oração e sarou a alma do povo (v.20). Um Deus perfeccionista não teria a abertura misericordiosa que leva em conta o coração, mais do que a ação. Foi por isso que Ele não matou Davi por ter comido o pão que era exclusivo dos sacerdotes (I Sm. 21.1-6).
Mesmo que vivamos em um mundo que recompensa o que bate as metas e viver estimulado por alta performance, devemos lembrar que somos imperfeitos e vivemos  entre pessoas imperfeitas. E para que não sejamos carrascos de nós mesmo e dos que nos rodeiam faremos bem em lembrar que “não há homem justo sobre a terra, que faça o bem, e nunca peque” Ec. 7:20. Façamos o nosso melhor e deixemos o resultado com Deus e para a glória de Deus.
A serviço do Mestre,
Pr. Jenuan Lira.