“Não sejas demasiadamente justo, nem
demasiadamente sábio; por que te destruirias a ti mesmo?” Ec. 7:16.
Embora
levando uma vida normal aos olhos das pessoas, o casal tinha uns sérios
dilemas. No gabinete pastoral, enquanto falávamos de várias coisas importantes,
mas periféricas, a esposa tomou a palavra e com lágrimas foi direto ao ponto: “Pastor, o problema é que por mais que me
esforce, nunca consigo agradar meu esposo. Minha sensação é que jamais vou
atingir suas expectativas. Estou sempre em falta, e por mais que tente mudar,
ele não reconhece porque ele não aceita menos de cem por cento”. A
avaliação era exata: Seu marido era um perfeccionista assumido.
O
pior pecado é aquele que tem as vestes da virtude. O perfeccionismo é
exatamente assim. É um pecado tão “perfeito”
que é difícil percebermos seu lado negro. Por isso, muitos passam a vida
sofrendo suas consequências e nunca se dão conta de quão destrutivo é o
perfeccionismo.
Para se ter uma ideia de
quão sério é esse pecado, basta notar que
o perfeccionismo é uma carga tão pesada que esmaga seu ‘hospedeiro’ e os
que estão a sua volta. Todo perfeccionista vive um dilema insolúvel: ele deseja
atingir a perfeição, em um mundo imperfeito. Seu padrão elevado demais é irreal
e inatingível. Por mais esforço que seja empreendido, sua medida nunca se
enche. Tanto para si mesmo, quanto para os outros, há sempre algo faltando. Por
essa razão, o perfeccionista tem grande dificuldade em relaxar e ficar satisfeito.
Ele não descansa até que o mínimo detalhe se resolva completamente. Ele quer
tudo bem definido, até o indefinível. Se não atingir cem por cento, ele não se
satisfaz com noventa e nove. O efeito disso ele sente no corpo e na alma, e seu
desequilíbrio resvala para quem está nas imediações.
Na base de todo
perfeccionismo há um problema crucial: idolatria disfarçada de excelência. Quem
luta com esse pecado tem seus olhos não em Deus, mas no resultado acabado do
seu esforço. Ele ama a perfeição como um fim em si mesma. Não que Deus não
possa ser adorado com nosso zelo em tudo que fazemos. Pode, sim, e deve.
Decência e ordem agradam a Deus. Mas o perfeccionista não tem a glória de Deus
como seu primeiro alvo. Antes, ele se deleita na beleza, harmonia, pontualidade
e precisão porque tais coisas são fruto do seu esmero e afirmam sua boa
reputação. No final, é o seu nome que está em jogo. Quando os planos não se
cumprem, os acordos não são honrados e os horários atrasados, a pessoa que
adora a perfeição sente-se tremendamente frustrada. Como se diz na fala
popular: o mundo se acaba. Um pequeno problema ganha dimensões inimagináveis, e
o perfeccionista se abate não pela desonra ao Nome de Deus, mas pelo desgaste
do seu próprio nome. No final das contas, o perfeccionista exalta a si mesmo,
pois como Deus fizera no princípio da criação, ele também avalia sua obra e
declara: “Eis que o que eu fiz é muito
bom”.
Em
termo de relacionamentos pessoais, a pessoa perfeccionista está sempre em
alguma dificuldade. Seu zelo e senso de retidão é exagerado demais e por isso
ele tem grande dificuldade em ser misericordioso. Para ele o que deve ser feito
tem que ser feito. Caso contrário, o transgressor deve receber a justa punição.
Perfeccionismo e legalismo são parentes muito aproximados.
Relendo a história bíblica
do rei Ezequias cheguei à seguinte conclusão: Deus é perfeito, mas não é
perfeccionista. Deus zela por Sua lei, mas ele não é legalista. Foi o que notei
no relato da celebração da páscoa promovida pelo rei. Em II Cr. 30. 18 lemos que uma multidão de
várias tribos de Israel comeu a páscoa, não como estava prescrito por Deus.
Ezequias estava promovendo reformas espirituais em uma nação que há muito tinha
se desviado de Deus. Ao sentirem novamente a vibração da possibilidade de
renovar sua comunhão com Deus, o povo atropelou alguns preceitos que Deus havia
dado a Moisés, quanto ao cerimonial da páscoa. Vendo isso, Ezequias orou pelo
povo, e pediu misericórdia para que todos que tinham disposto o coração para
buscar ao Senhor, embora não seguindo o ritual de purificação. Ezequias notou
que o povo não tinha seguido cuidadosamente o que Deus havia ordenado por meio
de Moisés. O rei não fez de conta que não era nada, mas suplicou misericórdia
ao Senhor. E o Senhor ouviu a oração e sarou a alma do povo (v.20). Um Deus
perfeccionista não teria a abertura misericordiosa que leva em conta o coração, mais do que a ação. Foi por isso que Ele não matou
Davi por ter comido o pão que era exclusivo dos sacerdotes (I Sm. 21.1-6).
Mesmo que vivamos em um mundo que recompensa o que
bate as metas e viver estimulado por alta performance, devemos lembrar que
somos imperfeitos e vivemos entre
pessoas imperfeitas. E para que não sejamos carrascos de nós mesmo e dos que
nos rodeiam faremos bem em lembrar que “não há homem justo sobre a terra, que faça o bem, e nunca
peque” Ec. 7:20. Façamos o nosso melhor e
deixemos o resultado com Deus e para a glória de Deus.
A serviço do Mestre,
Pr. Jenuan Lira.
Um comentário:
Esclarecedor ! E edificante !
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