“Se vós, porém,
vos mordeis e devorais uns aos outros,
vede não sejais
mutuamente destruídos” (Gl. 5.15)
Nada poderia ser mais estranho e fora de
propósito do que o duelo mortal entre dois santos. No entanto, a chamada “guerra
santa” não é um privilégio oriental. No interior do Ceará, neste momento, dois
santos estão se degladiando.
Trata-se da briga entre São
Francisco de Canindé e Santo Antônio de Caridade. São Francisco, quem diria,
sentiu-se ferido em seu orgulho ao notar que os devotos de Santo Antônio
estavam lhe edificando uma estátua de admirável tamanho. Vendo-se, assim, sob o
perigo iminente de perder espaço no mercado da fé, São Francisco, sem a menor
caridade, mobilizou seus súditos a fim de desferirem um golpe humilhante no
desprevenido Santo Antônio. Foi assim que, quando a estátua de Santo Antônio
estava no ponto de receber a cabeça, São Francisco interditou a obra. Sem
piedade. Por isso, o desejo dos devotos de Santo Antônio redundou em severa
humilhação ao santo, uma vez que sua estátua se reduziu a um mero tronco
decapitado. Claro que essa não é uma
atitude muito santa, mas foi assim que tudo ocorreu e os restos de Santo Antônio
continuam na cidade como prova da fúria de São Francisco. Pobre Antônio! Se com
todas as partes afixadas não passaria de mero ídolo inerte, imagine agora, sem
a cabeça, que se encontra largada no chão, servindo de abrigo para
formigueiros. Além da vergonha de não ter podido iniciar seu reduto de fiéis, Santo
Antônio ainda poderá ser conhecido nas gerações vindouras como uma figura
folclórica, fazendo dupla com a famosa mula-sem-cabeça.
É interessante que à
primeira vista, os santos brigões têm muitas semelhanças. Suas respectivas cidades começam com a mesma
letra. Têm estatura parecida (causa do ressentimento de franciscano), e
deveriam ter o mesmo olhar sem vida, congelado na contemplação do horizonte. Se
há tanto em comum, por que não resolveram seus dilemas de uma maneira mais
santa, sem precisar lançar mão de medidas violentas? Deixar o pobre Santo
Antônio sem cabeça é humilhante demais? Onde foi parar a caridade para com o
santo de Caridade? Afinal, o amor, a
compreensão, a humildade e a paz não são lemas da oração franciscana? Não foi São
Francisco que pediu... “Senhor, fazei-me um instrumento da vossa paz”?
A
triste briga dos ditos santos do interior do Ceará nos ensina que quando o
orgulho domina o coração, até os santos são capazes de cometer atrocidades.
Perdem a compaixão, se esquecem da misericórdia, desprezam a caridade e se
acham no direito de desferir golpes mortais contra aqueles que lhes tenham ofendido.
Essa
história nos remete aos santos segundo a Bíblia. Conforme as Escrituras os
santos não são mortos canonizados pelos oportunistas decretos humanos, mas são
todos os que confessam a Jesus como seu Senhor e Salvador, recebem o Espírito
Santo como selo da sua redenção e são chamados a viver uma vida separada do
pecado, buscando a paz e esforçando-se por alcançá-la. Mas infelizmente os
santos nem sempre agem de maneira santa. Como Paulo advertiu aos gálatas, mesmo
uma comunidade de santos pode se tornar um ambiente selvagem e hostil, onde
seus habitantes procuram morder e devorar uns aos outros.
Por isso, se em alguma
comunidade de santos reais, salvos por Cristo, a crueldade franciscana se
manifestar, sem a menor piedade, infelizmente não terá sido mera
coincidência... Essa história se repete constantemente... Infelizmente.
A serviço do Mestre,
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