Certas
lembranças da infância jamais se apagam. Do meu pai, a imagem mais nítida que
se desenhava diante dos meus olhos infantis era de vê-lo trabalhando. Para mim,
ele era exemplo de força. Quando passei a dar conta de mim mesmo e da realidade
a minha volta, meu pai lutava no comércio. E era realmente uma luta. Embora
tendo um pequeno comércio, ele fazia “qualquer negócio”. Tinha espírito
empreendedor, e procurava fazer o máximo com o pouco que tinha. Para mim, ele
era incansável, pois literalmente “levantava de madrugada e repousava tarde”.
Absorvido na lida diária, restava-lhe pouco tempo para entretenimento.
Mas quando o rio da nossa cidade tinha bastante água, que não era comum, ele às
vezes saia para nadar na correnteza. Eu ainda não sabia nadar, mas ele me
desafiava a enfrentar as águas. Quando possível, firmava-se sobre uma pedra ou
um banco de areia, distante alguns poucos metros da beira, e com o braço
estendido, dizia: “vem”. As pernas
tremiam de medo, mas eu pulava. Era pura confiança nele, pois eu podia
facilmente ser levado pela correnteza, por fraca que fosse. Felizmente o medo
durava pouco, pois quando me agarrava ao seu braço, sentia sua força vencendo a
força das águas. A correnteza continuava, mas eu permanecia estável.
Algumas vezes ele gostava de exibir sua força me desafiando, quando
pequeno, para uma competição: queda de braço. A competição era bem desleal. Meu
antebraço tinha mais ou menos o diâmetro do rabo de uma lagartixa, e por isso
ele o envolvia apenas com dois dedos. Era a forma de, supostamente, me dar
vantagem. E começava a peleja: “Força,
rapaz”, dizia sorrindo. Eu bem que tentava, mais era em vão. O braço do meu
pai parecia uma enorme rocha. Eu dava tudo de mim, mas meu esforço não fazia a
menor diferença.
Os anos se passaram, e Deus nos levou para o ministério. Agora meu pai
era pastor e mostrava sua força cuidando das suas ovelhas. Muitos dos irmãos
moravam em sítios distantes, que demandava uma viagem de até quarenta
quilômetros por estradas terríveis. Na época das chuvas, carro não passava.
Então, meu pai fazia as visitas e os cultos, viajando de bicicleta. O rádio
atingia os recantos mais distantes do sertão, assim, ele anunciava a data da
sua chegada, esperando que os irmãos iriam ouvir. Sempre funcionava. Cheguei a
ir com ele poucas vezes, sempre com medo de não aguentar. Mas eu sabia que ele
era forte bastante para me levar, caso cansasse.
Mas o tempo passou. E com o tempo as coisas mudam, e as pessoas mudam.
Na juventude, quando minha força aumentava, a do meu pai diminuía. Ele não
admitia, mas podíamos ver que já não tinha os músculos fortes de outrora.
Cansava-se mais rápido e com mais frequência. Às vezes, mesmo durante o dia, no
meio de uma conversa, podia vê-lo quase cochilando. O peso do trabalho duro
através dos anos agora cobrava o seu preço. Nunca fizemos como adultos uma
disputa de queda de braços, mas temo que ele não venceria, pois não tinha a
mesma força.
É bom ter um pai forte, mas é preciso lembrar que nem sempre será assim.
Por isso, quando penso na força do meu pai não posso deixar de fazer um
paralelo com o Pai Celeste. Meu pai terreno, enquanto podia, às vezes me levava
nos braços. Meu Pai Celeste sempre pode, e sempre me carrega nos seus braços
fortes. Na fraqueza Ele é minha força; na angústia, a minha paz. Sua presença
jamais me deixa, e obstáculo nenhum pode desafiar Seu poder. Ainda que a terra
se transtorne e os montes se abalem no seio dos mares, Ele é o meu refúgio e
fortaleza, socorro bem presente na angústia.
Além disso, outra verdade me consola: O Pai Celeste jamais faltará. Foi
assim que enfrentamos a repentina e triste sombra da saudade que sua ausência
projetou sobre nós. Sem aviso, sem doença, sem tempo de preparo, quando nos
demos conta ele tinha ido. E agora? Órfãos de pai? Absolutamente. O Pai eterno,
imutável, fiel e bom nunca nos deixou. Força e presença são marcas do Seu Ser.
O tempo não Lhe desgasta. Seu forte braço será sempre o nosso amparo. Um dia,
com tristeza, precisamos enfrentar a separação do pai terreno, mas com o nosso
Deus isso jamais ocorrerá. Enquanto a vida corre, mais nos aproximamos dEle, e
um dia esse encontro será completo.
Obrigado,
Senhor, pelo meu pai. Obrigado Senhor, por ser meu Pai.
A
serviço do Mestre,
Pr.
Jenuan Lira
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