Por diversas vezes, no meu habitual
percurso pelo centro da cidade, algo me chamava a atenção: em todas as calçadas
de lanchonetes e pequenos restaurantes os sacos de lixo estavam sempre rasgados.
A estranha cena e seu odor desagradável ativavam minha imaginação em busca de
uma explicação para tanta sujeira a céu aberto.
Certa tarde, andando pelas mesmas calçadas, repentinamente desvendou-se
o mistério. Fiquei surpreso e chocado, quase sem aceitar a realidade diante dos
meus olhos. Não podia imaginar que um homem tinha a repugnante ocupação de
rasgar todos aqueles sacos a fim de coletar restos de alimentos já fermentados.
E pior: a separação dos elementos da imunda mistura era feita com as próprias
mãos. Além disso, outro fato me surpreendeu ainda mais: a naturalidade com que
o homem mergulhava as mãos no lixo. Nas suas feições e reações não se percebia
o menor sinal de repulsa. Sem luvas e sem proteção no nariz, o homem mexia e
remexia toda imundície dos sacos como um pedreiro revolve a argamassa,
naturalmente. Passei pelo homem, mas não esqueci a cena: O homem, os sacos, as mãos,
o cheiro, tudo se misturava na superfície e nas profundezas dos meus
pensamentos. Agora, sempre que recordo a tranquilidade do homem no lixo, chego
à mesma conclusão: quem vive com as mãos metidas no lixo fica insensível à
imundície.
Estou certo de que essa estranha falta de
sensibilidade é fato no mundo físico e moral, mas principalmente no espiritual.
Pelo menos é o que se nota no primeiro capítulo do profeta Isaías. Ali percebe-se
uma repugnante cena de "lixo" espiritual, na qual os seus
protagonistas não demonstram a menor sensibilidade. Viviam tão atolados no
pecado que sua condição espiritual é descrita em palavras que evocam imagens
nojentas e repugnantes: "Desde a planta do pé até à cabeça não há neles
coisa sã, senão feridas, contusões e chagas inflamadas, umas e outras não
espremidas, nem atadas, nem amolecidas com óleo" (Isaías 1.6). As palavras
são fortes e fotográficas. Tente, se conseguir, imaginar com clareza um corpo
semelhante à descrição acima.
O povo de Israel, à época do profeta
Isaías, vivia se revolvendo no pecado como porco em lamaçal. E estava tão
condicionado ao "lixo" que não conseguia sequer sentir o forte odor
que exalava dos seus pecados. Era um povo degradado que ainda tinha a coragem
de se aproximar de Deus, como se o Senhor pudesse conviver com os
"resíduos fermentados" dos seus pecados. Sem o menor constrangimento
falavam de Deus como se tivessem em perfeita comunhão com Ele. Eram assíduos em
seus sacrifícios, mas o aroma dos seus incensos causavam náuseas ao Deus santo,
que se declara enojado com o odor de podridão que contaminava seus sacrifícios.
Por isso, assim diz o Senhor : "De que me serve a multidão dos vossos
sacrifícios? ...Não continueis a trazer ofertas vãs... a minha alma aborrece as
vossas solenidades... estou cansado de as sofrer"(Isaías 1.11,13,14).
Eis a razão da analogia entre o homem no
lixo e o homem no pecado. Uma vez que se decidiram viver na sujeira, ambos
perdem a sensibilidade ocasionada pelo embotamento dos seus sentidos. Sentem-se
à vontade no que é podre, chegando a estranhar os que não compartilham dos seus
atos e pensamentos.
A situação de risco em que vivem esses
homens parece bastante óbvia, mas o segundo está em perigo infinitamente maior,
pois enquanto o homem no lixo pode perder a saúde, o homem no pecado, além da
saúde, pode perder a paz, os bens, a família e, pior de tudo, a vida eterna.
Para um coração insensível os apelos podem
ser inúteis, mas assim mesmo vou fazê-lo, reproduzindo as palavras do profeta: "Lavai-vos,
purificai-vos, tirai a maldade de vossos atos de diante dos meus olhos; cessai
de fazer o mal. Aprendei a fazer o bem... Vinde, diz o Senhor..."
A serviço do Mestre,
Pr. Jenuan Lira
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