CÉSAR OU DEUS: LUTANDO PELO DISCERNIMENTO
ENTRE O LEGAL E O MORAL
“Eles são
pavorosos e terríveis, e criam eles mesmos o seu direito
e a sua dignidade.” (Habacuque 1.7)
Em
29 de maio de 1962, a suprema corte israelense recebeu uma carta de Adolph Eichmann
pedindo que o tribunal reconsiderasse a pena de morte. Eichmann foi um dos idealizadores
e executores da chamada “Solução Final”, o conjunto de planos malignos
elaborados em 1942, que levariam ao extermínio de milhões de judeus em escala
industrial. A carta era endereçada ao presidente israelense, que tinha poderes
para conceder o perdão. O argumento do carrasco nazista era simples: ele estava
obedecendo ordens, logo, não podia ser responsabilizado pelo Holocausto.
Eichmann dizia: “É preciso traçar uma linha entre os líderes responsáveis e
pessoas como eu, que fomos forçados a servir como meros instrumentos nas mãos
dos líderes. Eu estava realizando um trabalho burocrático, eu não era o líder
responsável e, por isso, não me sinto culpado.”
Depois
de examinar o caso, o presidente israelense Ben Zvi, entendeu que a
argumentação era inconsistente. Numa carta escrita em hebraico, ele respondeu a
Eichmann usando o texto bíblico de 1 Samuel 15.33: “Assim como a tua espada
desfilhou mulheres, assim desfilhada ficará tua mãe entre as mulheres.” No dia 2 de junho de 1962, Eichmann foi
executado por enforcamento.
O
famoso julgamento de Adoph Eichmann nos ajuda a perceber que nem tudo que é
legal é moral. Há situações em que agimos na legalidade, mas falhamos na
moralidade. Essa é uma tensão com a qual o discípulo de Cristo se debate constantemente
nesse mundo que ‘jaz no maligno.’ Por um lado, por dever de consciência cristã,
como nos diz o apóstolo Paulo, devemos viver na legalidade (Romanos 13.5); por
outro, não podemos esquecer que “antes, importa obedecer a Deus do que aos
homens” (Atos 5.29). É preciso ‘dar a César o que é de César’, mas não esquecer
que há o risco de ‘César’ querer se apropriar do que é de Deus.
A
‘desculpa’ da legalidade tem levado muitos cristãos a se submeterem mais a
César do que a Cristo. Esquecendo que
foram chamados para viver sob padrões muito mais elevados do que os
prescritos nas leis humanas, se deixam dominar pelo espírito do mundo, sob a
cobertura da lei dos homens. Por causa da natureza corrompida e a inata
tendência à anarquia, Deus recomenda e aprova a elaboração das leis e a
constituição de governos, mas isso não há garantia de que tais mecanismos
sempre nos indicarão o melhor caminho. O dilema entre o certo e o permitido sempre
ocorreu, mas se intensifica notadamente nesses ‘últimos dias’, quando se
acelera a preparação para a vinda daquele que “...se opõe e se levanta contra tudo que se chama Deus ou é
objeto de culto, a ponto de assentar-se no santuário de Deus, ostentando-se
como se fosse o próprio Deus.” (2 Tessalonicenses 2.4).
É fato que Deus ordenou os governos como
seus representantes, com a função de punir o mal e promover o bem. Mas, como é
bem notório ao longo da história, agentes malignos se apropriam das posições de
poder, tornando-se tais quais os Caldeus nos tempos do profeta Habacuque: “... pavorosos
e terríveis, e criam eles mesmos o seu direito e a sua dignidade.” O que
tornava os Caldeus pavorosos e terríveis era sua independência de Deus. Foram
investidos da autoridade de Deus, mas agiam como seres autônomos, julgando-se
competentes para criar ‘o seu direito e a
sua dignidade.’
Ainda
que os argumentos de Adolph Eichmann fossem verdadeiros, sua ações eram
imorais. Como bem destacou a filósofa judia alemã Hanna Arendt, que cobriu o
julgamento em Jerusalém, os argumentos do nazista eram a “banalização do mal.”
Arendt ficou horrorizada como Eichmann falava do envio de milhões para a morte
como “atividade burocrática, um trabalho bem feito.”
Quem tenta indistintamente equacionar
o legal e o moral se encaminha para encruzilhadas éticas, para as quais a única justificativa será: ‘Estou cumprindo
ordens.’ Pode até ser o caso, o detalhe é saber se são ordens de César ou de
Deus.
A serviço do Mestre,
Pr. Jenuan Lira.
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