terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

CÉSAR OU DEUS: LUTANDO PELO DISCERNIMENTO
 ENTRE O LEGAL E O MORAL

Eles são pavorosos e terríveis, e criam eles mesmos o seu direito
 e a sua dignidade.” (Habacuque 1.7)


            Em 29 de maio de 1962, a suprema corte israelense recebeu uma carta de Adolph Eichmann pedindo que o tribunal reconsiderasse a pena de morte. Eichmann foi um dos idealizadores e executores da chamada “Solução Final”, o conjunto de planos malignos elaborados em 1942, que levariam ao extermínio de milhões de judeus em escala industrial. A carta era endereçada ao presidente israelense, que tinha poderes para conceder o perdão. O argumento do carrasco nazista era simples: ele estava obedecendo ordens, logo, não podia ser responsabilizado pelo Holocausto. Eichmann dizia: “É preciso traçar uma linha entre os líderes responsáveis e pessoas como eu, que fomos forçados a servir como meros instrumentos nas mãos dos líderes. Eu estava realizando um trabalho burocrático, eu não era o líder responsável e, por isso, não me sinto culpado.”
               
                Depois de examinar o caso, o presidente israelense Ben Zvi, entendeu que a argumentação era inconsistente. Numa carta escrita em hebraico, ele respondeu a Eichmann usando o texto bíblico de 1 Samuel 15.33: “Assim como a tua espada desfilhou mulheres, assim desfilhada ficará tua mãe entre as mulheres.”  No dia 2 de junho de 1962, Eichmann foi executado por enforcamento.

                O famoso julgamento de Adoph Eichmann nos ajuda a perceber que nem tudo que é legal é moral. Há situações em que agimos na legalidade, mas falhamos na moralidade. Essa é uma tensão com a qual o discípulo de Cristo se debate constantemente nesse mundo que ‘jaz no maligno.’ Por um lado, por dever de consciência cristã, como nos diz o apóstolo Paulo, devemos viver na legalidade (Romanos 13.5); por outro, não podemos esquecer que “antes, importa obedecer a Deus do que aos homens” (Atos 5.29). É preciso ‘dar a César o que é de César’, mas não esquecer que há o risco de ‘César’ querer se apropriar do que é de Deus.

                A ‘desculpa’ da legalidade tem levado muitos cristãos a se submeterem mais a César do que a Cristo. Esquecendo que  foram chamados para viver sob padrões muito mais elevados do que os prescritos nas leis humanas, se deixam dominar pelo espírito do mundo, sob a cobertura da lei dos homens. Por causa da natureza corrompida e a inata tendência à anarquia, Deus recomenda e aprova a elaboração das leis e a constituição de governos, mas isso não há garantia de que tais mecanismos sempre nos indicarão o melhor caminho. O dilema entre o certo e o permitido sempre ocorreu, mas se intensifica notadamente nesses ‘últimos dias’, quando se acelera a preparação para a vinda daquele que “...se opõe e se levanta contra tudo que se chama Deus ou é objeto de culto, a ponto de assentar-se no santuário de Deus, ostentando-se como se fosse o próprio Deus.” (2 Tessalonicenses 2.4).

É fato que Deus ordenou os governos como seus representantes, com a função de punir o mal e promover o bem. Mas, como é bem notório ao longo da história, agentes malignos se apropriam das posições de poder, tornando-se tais quais os Caldeus nos tempos do profeta Habacuque: “... pavorosos e terríveis, e criam eles mesmos o seu direito e a sua dignidade.” O que tornava os Caldeus pavorosos e terríveis era sua independência de Deus. Foram investidos da autoridade de Deus, mas agiam como seres autônomos, julgando-se competentes para criar ‘o seu direito e a sua dignidade.

                Ainda que os argumentos de Adolph Eichmann fossem verdadeiros, sua ações eram imorais. Como bem destacou a filósofa judia alemã Hanna Arendt, que cobriu o julgamento em Jerusalém, os argumentos do nazista eram a “banalização do mal.” Arendt ficou horrorizada como Eichmann falava do envio de milhões para a morte como “atividade burocrática, um trabalho bem feito.”

Quem tenta indistintamente equacionar o legal e o moral se encaminha para encruzilhadas éticas, para as quais  a única justificativa será: ‘Estou cumprindo ordens.’ Pode até ser o caso, o detalhe é saber se são ordens de César ou de Deus.

A serviço do Mestre,

Pr. Jenuan Lira. 

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