quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

A SÍNDROME DA VISÃO SELETIVA


E, depois de o açoitarem, tirar-lhe-ão a vida; mas, ao terceiro dia, ressuscitará. Eles, porém, nada compreenderam acerca destas coisas; e o sentido destas palavras era-lhes encoberto, de sorte que não percebiam o que ele dizia.” (Lucas 18.34)

                Uma das marcas do pecado no homem é a cegueira de coração. Não que sejamos absolutamente incapazes de perceber a verdade, mas o pecado nos inclina e força a enxergar apenas o que nos agrada. Focamos os olhos naquilo que o nosso coração deseja e nos tornamos cegos para tudo mais que não combina com nossos anseios.
                Podíamos classificar tal comportamento de “síndrome da visão seletiva”, e os discípulos de Cristo são exemplos clássicos dessa disfunção espiritual. Essa doença de coração se manifestou muito claramente perto do final do ministério terrestre do Senhor Jesus, quando Ele fez o surpreendente anúncio da humilhação da cruz e a ressurreição que lhe seguiria. Jesus foi muitíssimo claro e até repetitivo, mas os discípulos simplesmente não captavam o sentido das palavras.
                O que teria causado o problema da visão seletiva? A resposta aparece quando olhamos o contexto em que o Senhor fez os anúncios. Observando Lucas 18.31-34, podemos afirmar que os discípulos sofriam de um tipo de cegueira espiritual. Para demonstrar esse fato, Lucas habilmente insere o relato da cura do cego de Jericó logo após um dos avisos sobre a morte e ressurreição de Cristo. A cegueira do mendigo que esmolava à beira do caminho caia muito bem com uma ilustração exata dos distúrbios na visão espiritual dos discípulos.
                Nos outros Evangelhos Sinóticos, Mateus e Marcos, aprendemos um pouco mais sobre a causa do problema. Tanto Mateus quanto Marcos fazem uma relação entre a cegueira espiritual e o desejo de grandeza. Quando os discípulos ouviam sobre o humilhante sofrimento ao qual o Senhor seria submetido, ficavam profundamente tristes (Mateus 17.23). Essa notícia causava tal impacto que eles nem sequer davam atenção ao fato de que Jesus iria ressuscitar no último dia. Por que? Porque a cruz destruía a expectativa de grandeza acalentada nos seus corações. Eles desejavam a glória, mas não admitiam o calvário. Só pensavam na possibilidade de grandeza que teriam no reino de Cristo (Mateus 18.1). Chegavam a brigar entre si para saber quem seria o maior. Numa ocasião inusitada, até mesmo a mãe de Tiago e João entrou na briga. Ela procurou a Jesus intercedendo para que seus filhos tivessem um lugar especial no reino vindouro. Tendo uma concepção tão egoísta e limitada do reino de Cristo, não é à toa que seus ouvidos ficassem surdos e seus olhos cegos para o ensino de Jesus.
                Quando nossos desejos estão em desacordo com o desejo de Deus, a cegueira nos domina. Ainda que ouçamos as palavras do Senhor, não mostraremos a menor disposição para captar o sentido delas. A verdade nos assusta. No caso dos discípulos, a indisposição para abraçar a verdade era tão grande que sequer se esforçavam para perguntar a Jesus o sentido exato das Suas palavras (Marcos 9.32).
                Sendo bem honestos, precisamos reconhecer que em muitas ocasiões preferimos a cegueira do engano à confrontação da verdade. Muitos tentam se proteger sob as trevas da ignorância, a fim de não ser incomodados com a luz da verdade. É como se o fato de não sabermos exatamente o que Deus está dizendo fosse álibi para nossa vida de pecado.
Esse problema se manifesta ainda hoje? Infelizmente, sim. Por causa do desejo distorcido de perceber apenas o que agrada o seu próprio coração, milhares seguem doutrinas de homens e se afastam da Palavra. Culpa dos líderes? Certamente, eles tem uma grande parcela de culpa e Deus há de julgá-los de modo muito mais severo (Marcos 12.40). Contudo, jamais caímos no erro de achar que as multidões são compostas de ‘boas almas’, de pessoas incautas que se tornaram presas dos vendedores da fé. Na verdade aqui não existe neutralidade. Os líderes iludem porque os seguidores gostam da ilusão, estão atrás dos seus próprios interesses e encontraram um que diz o que eles querem ouvir. Como os discípulos, esses também têm acesso à verdade, mas preferem não perguntar por ela por temerem perder o conforto da ilusão dos seus próprios corações.
Mas, se o exemplo dos discípulos expõe o problema da cegueira, a história do cego de Jericó fala do alento da visão restaurada. Era um cego que admitia sua cegueira, não tinha falsas ideias da sua situação. Reconhecia que estava envolto em trevas absolutas. Por isso, quando teve a chance, sem titubear clamou a plenos pulmões: “Senhor, quero tornar a ver” (Lucas 18.41). Então, “Imediatamente, tornou a ver e seguia-o glorificando a Deus” (Lucas 18.43).
A síndrome da visão seletiva nos acomete porque naturalmente amamos mais as trevas do que a luz (João 3.19). Mas não precisamos viver na cegueira. Clamemos Àquele que é a luz do mundo e Ele mesmo resplandecerá em nossos corações.
A serviço do Mestre,

Pr. Jenuan Lira

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