“E, depois de o
açoitarem, tirar-lhe-ão a vida; mas, ao terceiro dia, ressuscitará. Eles,
porém, nada compreenderam acerca destas coisas; e o sentido destas palavras
era-lhes encoberto, de sorte que não percebiam o que ele dizia.” (Lucas
18.34)
Uma das marcas do pecado no
homem é a cegueira de coração. Não que sejamos absolutamente incapazes de
perceber a verdade, mas o pecado nos inclina e força a enxergar apenas o que nos
agrada. Focamos os olhos naquilo que o nosso coração deseja e nos tornamos
cegos para tudo mais que não combina com nossos anseios.
Podíamos classificar tal
comportamento de “síndrome da visão seletiva”, e os discípulos de Cristo são
exemplos clássicos dessa disfunção espiritual. Essa doença de coração se
manifestou muito claramente perto do final do ministério terrestre do Senhor
Jesus, quando Ele fez o surpreendente anúncio da humilhação da cruz e a
ressurreição que lhe seguiria. Jesus foi muitíssimo claro e até repetitivo, mas
os discípulos simplesmente não captavam o sentido das palavras.
O que teria causado o problema
da visão seletiva? A resposta aparece quando olhamos o contexto em que o Senhor
fez os anúncios. Observando Lucas 18.31-34, podemos afirmar que os discípulos
sofriam de um tipo de cegueira espiritual. Para demonstrar esse fato, Lucas
habilmente insere o relato da cura do cego de Jericó logo após um dos avisos
sobre a morte e ressurreição de Cristo. A cegueira do mendigo que esmolava à
beira do caminho caia muito bem com uma ilustração exata dos distúrbios na visão
espiritual dos discípulos.
Nos outros Evangelhos Sinóticos,
Mateus e Marcos, aprendemos um pouco mais sobre a causa do problema. Tanto
Mateus quanto Marcos fazem uma relação entre a cegueira espiritual e o desejo
de grandeza. Quando os discípulos ouviam sobre o humilhante sofrimento ao qual
o Senhor seria submetido, ficavam profundamente tristes (Mateus 17.23). Essa
notícia causava tal impacto que eles nem sequer davam atenção ao fato de que
Jesus iria ressuscitar no último dia. Por que? Porque a cruz destruía a
expectativa de grandeza acalentada nos seus corações. Eles desejavam a glória,
mas não admitiam o calvário. Só pensavam na possibilidade de grandeza que teriam
no reino de Cristo (Mateus 18.1). Chegavam a brigar entre si para saber quem
seria o maior. Numa ocasião inusitada, até mesmo a mãe de Tiago e João entrou
na briga. Ela procurou a Jesus intercedendo para que seus filhos tivessem um
lugar especial no reino vindouro. Tendo uma concepção tão egoísta e limitada do
reino de Cristo, não é à toa que seus ouvidos ficassem surdos e seus olhos
cegos para o ensino de Jesus.
Quando nossos desejos estão em
desacordo com o desejo de Deus, a cegueira nos domina. Ainda que ouçamos as
palavras do Senhor, não mostraremos a menor disposição para captar o sentido
delas. A verdade nos assusta. No caso dos discípulos, a indisposição para
abraçar a verdade era tão grande que sequer se esforçavam para perguntar a
Jesus o sentido exato das Suas palavras (Marcos 9.32).
Sendo bem honestos, precisamos
reconhecer que em muitas ocasiões preferimos a cegueira do engano à
confrontação da verdade. Muitos tentam se proteger sob as trevas da ignorância,
a fim de não ser incomodados com a luz da verdade. É como se o fato de não
sabermos exatamente o que Deus está dizendo fosse álibi para nossa vida de
pecado.
Esse problema se manifesta ainda hoje? Infelizmente,
sim. Por causa do desejo distorcido de perceber apenas o que agrada o seu
próprio coração, milhares seguem doutrinas de homens e se afastam da Palavra.
Culpa dos líderes? Certamente, eles tem uma grande parcela de culpa e Deus há
de julgá-los de modo muito mais severo (Marcos 12.40). Contudo, jamais caímos
no erro de achar que as multidões são compostas de ‘boas almas’, de pessoas
incautas que se tornaram presas dos vendedores da fé. Na verdade aqui não
existe neutralidade. Os líderes iludem porque os seguidores gostam da ilusão,
estão atrás dos seus próprios interesses e encontraram um que diz o que eles
querem ouvir. Como os discípulos, esses também têm acesso à verdade, mas preferem
não perguntar por ela por temerem perder o conforto da ilusão dos seus próprios
corações.
Mas, se o exemplo dos discípulos expõe o problema da
cegueira, a história do cego de Jericó fala do alento da visão restaurada. Era
um cego que admitia sua cegueira, não tinha falsas ideias da sua situação. Reconhecia
que estava envolto em trevas absolutas. Por isso, quando teve a chance, sem titubear
clamou a plenos pulmões: “Senhor, quero
tornar a ver” (Lucas 18.41). Então, “Imediatamente,
tornou a ver e seguia-o glorificando a Deus” (Lucas 18.43).
A síndrome da visão seletiva nos acomete porque
naturalmente amamos mais as trevas do que a luz (João 3.19). Mas não precisamos
viver na cegueira. Clamemos Àquele que é a luz do mundo e Ele mesmo
resplandecerá em nossos corações.
A serviço do Mestre,
Pr. Jenuan Lira
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