terça-feira, 19 de junho de 2012

DAVI E ARTHUR


Após uma pequena peregrinação nas recepções do hospital, dirijo-me ao segundo andar. UTI neonatal. Uma realidade difícil de admitir, mas precisa existir um lugar como esse. Melhor se não precisasse. Mas a vida é assim, e muitas vezes o real não coincide com o melhor.
            Chego apreensivo. Será que serei permitido entrar? Inseguro, toco a campainha levemente... Não vou insistir... talvez nem devesse tentar. Mas já que vim... Para minha surpresa, a resposta foi rápida: “Sim, senhor, posso ajudar?”, saudou-me uma enfermeira simpática. “Queria saber notícias sobre um garotinho, Arthur, que recentemente fez uma cirurgia. Ele ainda está internado?”A enfermeira respondeu afirmativamente e acrescentou: “O Davi também está aqui”. Fiquei surpreso, pois julgava que somente um dos gêmeos ainda estivesse internado. “Os pais estão aqui?”. “Ainda não chegaram”. Fiz mais algumas perguntas, agradeci e me dirigi à porta de saída. Não achei conveniente sequer insinuar que queria ver as crianças. Esse é um lugar verdadeiramente sensível. Um visitante pode representar um sério risco para os pequenos pacientes. E trazer qualquer pequeno risco para os meus amiguinhos nascidos de cinco meses era a última coisa que queria. “Posso orar por eles em casa”, consolei-me.
            De repente, uma mudança de planos. Numa incrível coincidência, quando girei a maçaneta da porta pelo lado de dentro, outra pessoa fez o mesmo pelo lado de fora. Uma sincronia milimetricamente calculada. Era o pai e mãe dos gêmeos. Nesses momentos precisamos ter cuidado para não pronunciar um descuidado “tudo bem?” Consegui. Deixei que o meu abraço substituísse a saudação inicial. Expliquei que já estava saindo, mas eles me garantiram que eu os podia acompanhar para ver as crianças. E começamos o ritual de preparação. Mãos bem lavadas e desinfetadas, batas, máscaras, etc. Antes de entrar a mãe compartilhou: “Eu nunca entro primeiro... é sempre ele”. Entendi a mensagem. Se houver algo anormal e triste, a mãe não quer ser a primeira a saber. Que bom que Deus dá ao marido coragem para ir adiante de sua esposa em qualquer situação. A coragem do pai e a ternura da mãe formam uma divina combinação para o equilíbrio conjugal. Ainda conservando o bom o humor, o esposo me disse: “Eu brinco com ela dizendo: eu vou na sua frente, mas quem vai adiante de mim?”. Era óbvio que nós três sabíamos a resposta... “Deus vai adiante de você”, falei. “Eu sei, pastor”, disse o marido com segurança.
            Davi e Arthur são vizinhos de incubadora. Os olhinhos são protegidos contra a luz, tubo de oxigênio à boca e os eletrodos monitorando respiração e coração. Vendo que estão reagindo bem, os pais ficam mais à vontade e me apresentam os filhos. Davi é loirinho e de pele muito clara. “Esse puxou à mãe”, disse-me o pai. E continuou... “O Arthur é mais parecido com minha família”. De fato. Apesar de serem tão pequenos, dá para notar a diferença. Um nasceu com pouco mais de setecentos gramas, e o outro com pouco mais de novecentos. Com o tamanho aproximado de dois palmos. O Arthur, devido a dificuldades no parto já teve que se submeter a três cirurgias. Sobre o seu corpinho, dá para ver, entre os fios e sondas, as cicatrizes da última intervenção cirúrgica. Louvado seja Deus pelo desenvolvimento científico e pelos modernos recursos da tecnologia, pelos quais crianças assim conseguem receber a assistência que precisam.
            O casal explicou-me tudo que estava sendo feito, conscientes da dificuldade, mas nutrindo grande esperança. A mãe descreveu bem as características de cada um: “O Arthur é mais calmo, mas o Davi é agitado. Quando ele ouve a minha voz se mexe e as pulsações cardíacas se alteram”. Incrível a ligação entre mãe e filho. Ela sabe bem como se aproximar de cada um. Abriu as travas da incubadora do Arthur, introduziu as mãos devagar, acariciou a cabecinha e falou suavemente: “Arthur... mamãe”. Com os olhos eu contemplava, com o coração sentia, com a mente orava: “Ó Senhor, recupera o Arthur para a Tua glória e para a felicidade do coração dessa mãe”. Foi muito emocionante. Como é incrível o amor que enche o coração de uma mãe!
            Chegada minha hora, aproximei-me do casal para orarmos juntos. Com o coração apertado, despeço-me e saio pensativo... devagar e divagando.
            Davi, Arthur, Gisele, Mazinho, minha mãe, minha esposa, meus filhos... meu Deus. Todos se encontram e interagem nos meus pensamentos. Fora do hospital, o mundo me pareceu ainda mais estranho. É sábado, mas os carros correm... a vida corre. Por que correr? Vale à pena? E os filhos? Muitos têm filhos que podem brincar, correr e conversar... que bênção ter filhos... mas onde eles estão? E a vida passa, e continuamos correndo para longe. Longe de casa, longe da esposa, longe dos filhos, longe dos pais, longe, sempre cada vez mais longe... Até quando?  Mas Davi, Arthur e seus pais estão juntos... o mais que podem... na UTI neonatal... todos os dias juntos! Que bom se os casais, os pais e os filhos aprendessem a bênção de ficar juntos.
            “Davi e Arthur, no silêncio vocês me falaram muito, jamais lhes esquecerei. Espero vê-los em breve, em casa, correndo, sadios e felizes. Vocês me ensinaram a louvar mais a Deus... por que Ele é soberano, pela beleza da união conjugal, pela família que Ele me deu, por vocês mesmos. Não desistam. Vocês estão cercados pela coragem do seu pai, pelo afeto indescritível da sua mãe e pela graça e misericórdia do Pai celeste”.  
            Estamos juntos. Estaremos juntos. Deus está conosco.
            A serviço do Mestre,
            Pr. Jenuan Lira.

LUTANDO ATÉ O FIM


Calebe tinha todos os melhores motivos para desistir. Quando a terra está sendo dividida, ele já está com oitenta e cinco anos. Estava dando as últimas voltas na carreira da vida, e o desafio que se apresentava iria demandar muita disposição. Não seria melhor se aquietar e esquecer a possibilidade de um novo começo? Já tinha lutado muito, por que se envolver em mais uma guerra?






            Mesmo respaldado pelas “melhores” desculpas, Calebe não desistiu de lutar. Quando Josué, seu antigo e fiel companheiro de espionagem, está distribuindo o quinhão de cada tribo, Calebe reivindica a concessão da parte que lhe fora prometida. Ele sabia que essa não era uma terra desabitada. A ocupação não seria pacífica e os inimigos estavam bem preparados para defender sua possessão. Mesmo assim Calebe segue firme com seu plano. Suas palavras a Josué são convincentes: “Estou forte ainda hoje como no dia em que Moisés me enviou; qual era a minha força naquele dia, tal ainda agora para o combate, tanto para sair a ele como para voltar” (Js. 14.11).
            Ninguém vai imaginar que fisicamente Calebe tinha o mesmo vigor de 45 anos atrás. Mas se o corpo estava era mais frágil, o espírito era mais forte. E este revigorava aquele. Calebe não olhava as circunstâncias, mas confiava na promessa de Deus. Ele conhecia o Senhor bastante para saber que Sua Palavra não cairia por terra. Por isso, não podemos dizer que Calebe era um homem impetuoso e inconsequente, que não media o preço requerido para uma empreitada. Sua experiência de 40 anos no deserto, vivendo no limite e na dependência de Deus fora bastante para torná-lo um homem maduro. Calebe não é um homem intempestivo, mas um herói da fé. Ele podia projetar seu futuro não pelo que via, mas pela sua confiança em Deus.
            Gosto da história da batalha de Leônidas e os 300 de Esparta contra Xerxes, o general persa. O combate se deu no ano 480 a.C. Xerxes vinha furioso com o desejo de eliminar Atenas, limpando o caminho para maior expansão do seu já grandioso império. Seguia-lhe um colossal exército de 80.000 na cavalaria e 200.000 na infantaria. Nas pressas, Leônidas só conseguiu ajuntar um contingente de 7.000 soldados, mas entre esses havia um grupo seleto de 300 homens que foram treinados para jamais desistir. Nos primeiros dias, postados em pontos estratégicos, Leônidas e seu exércitos conseguiram deter o avanço dos persas, matando dezenas de soldados. O plano teria funcionado bem, se não fosse pela traição de um dos soldados de Leônidas, que ensinou o caminho para atacar os gregos pela retaguarda. Cercado, Leônidas sabia que seu fim era certo. Numa última tentativa de resistir, ele conduziu seus 300 a um pequeno morro onde lutariam até a morte do último homem. Quando não tinham mais espadas, eles lutaram com as mãos e com os dentes. Mas antes de morrer mandaram uma comovente mensagem para casa, que se tornou em famoso epitáfio: “Estrangeiro, conta aos espartanos que nos comportamos conforme eles desejariam que fizéssemos, e estamos enterrados aqui”.
            Esta pequena mensagem veio de um grupo de soldados heróicos que não tinham idéia do que seria o futuro da Grécia. Eles não imaginavam que sua mensagem despertaria um surto de orgulho e inspiraria seus compatriotas a vitórias decisivas em Salamis e Plates fazendo com que os persas nunca mais fossem ameaça para a Grécia. Também não sabiam que dentro de somente 30 anos, Atenas despontaria como a cidade mais influente que o mundo jamais conheceu.
            Determinados e corajosos, eles marcaram a história ocidental com seu exemplo. Até hoje o mundo goza de liberdade proveniente, em parte, da coragem daqueles homens. Por causa de exemplos como esse, o filósofo Montaigne disse: “Existem derrotas triunfantes que são rivais das vitórias”.
            Lutas e batalhas são parte da vida. Muitas vezes, em certas batalhas, ficamos perplexos quanto ao o fim imediato que o Senhor tem determinado para nós. Pode bem ser que no primeiro momento, nossa vitória seja apenas uma triunfante derrota, pois Deus está querendo nos usar como modelo na vida de outras pessoas. Se assim for, é porque Deus nos chamou lutar pela fé, sem desistir, deixando o resultado nas suas mãos. Nossa vitória será não desistir, enquanto glorificamos a Deus no meio da batalha.
            Desistir é o caminho mais fácil, mas as pessoas que fazem a história são as que não tomaram esse atalho. Calebe não desistiu, e recebeu a recompensa. Nós também não desistiremos. Confiando nas promessas do Senhor seguiremos, até receber também a nossa recompensa.
            A serviço do Mestre,
            Pr. Jenuan Lira. 

quarta-feira, 6 de junho de 2012

QUANDO DEUS DIZ NÃO


Basta! Não me fales mais nisso.” 
(Deuteronômio 3.26)



Não foi uma situação fácil. Mas o que era fácil nessas circunstâncias? Já havia quase 40 anos que o povo vacilava na sua confiança. A murmuração era uma triste rotina, e os ouvidos de Moisés eram os primeiros a sofrê-la.
Mas dessa vez, a história teve um desdobramento diferente, pois Moisés, exasperado contra o povo, esqueceu a Palavra de Deus. Uma coisa extraordinária deveria acontecer: Moisés falaria e a água jorraria de uma enorme rocha. Porém, não foi isso que aconteceu, pois ao invés de falar à rocha, Moisés a feriu com o cajado. As águas saíram, mas Deus não foi santificado por meio do seu servo. Deus teria toda razão em ter envergonhado Moisés diante do povo, mas Ele sofreu o dano.
Terminada a situação, o Senhor pronuncia o juízo contra Moisés: Pelo que o Senhor disse a Moisés e a Arão: Porquanto não me crestes a mim, para me santificardes diante dos filhos de Israel, por isso não introduzireis esta congregação na terra que lhes dei” (Números 20.12). Duvido que outra coisa pudesse causar tanta tristeza em Moisés. Entrar na terra era seu sonho. Para isso ele tinha suportado décadas de sofrimento no deserto. Mas estava dito: ele não receberia esse prêmio.
            Aparentemente, Moisés recebeu resignadamente a sentença. Mas não se conformou. Por isso, quando se viu às margens da terra prometida, resolveu orar sobre o assunto. Usando de toda intimidade de um servo e amigo, Moisés implora humildemente que o Senhor revogue o castigo, permitindo sua entrada na terra. Mas a resposta do Senhor foi sucinta e firme: “Basta! Não me fales mais nisso”.

Engana-se quem pensa que pela oração vai mudar os propósitos de Deus. Certamente isso não vai acontecer, mesmo que a oração seja feita com fé e no espírito mais humilde possível. Deus não dependia de Moisés, mas concedeu-lhe a honra de ser o instrumento pelo qual o povo seria liberto. Moisés era instrumento de libertação, mas o poder era total do Senhor. Deus preservou Moisés e lhe chamou para uma maravilhosa obra. É certo que Moisés tinha um preço a pagar, mas acima disso estava a bênção de ser um escolhido de Deus. Na história de Moisés temos a perfeita ilustração das palavras do Senhor Jesus: “a quem muito é dado, muito será cobrado” (Lucas 12.48).
A negação de Deus certamente foi um peso para Moisés, mas Deus nunca tira algo de nós, senão para nos abençoar em grande medida. Moisés pediu para entrar na terra, mas Deus queria lhe dar o céu. Era uma bênção incomparável. Em Hebreus 11.26 lemos que Moisés deixou a glória do Egito e preferiu sofrer com o povo de Deus porque “contemplava o galardão”. Na mente de Moisés talvez isso significasse a terra de Canaã, que certamente seria uma empolgante recompensa. No entanto, o mais valioso galardão desta vida, não pode se comparar com a glória que há de ser revelada na presença de Cristo. 
O não de Deus nunca é para nos deixar no vazio. É o caminho para que se faça a Sua vontade e não a nossa. Deus não nega uma oração sem um grande propósito. O que perdemos no presente, redundará em abundância no futuro, pois somos alvo da graça do Senhor.
Quando Deus diz não, o melhor é esperar, “a minha graça te basta”.
Deus tem o melhor para nós!
A serviço do Mestre,
Pr. Jenuan Lira