sexta-feira, 26 de novembro de 2010

O PRÊMIO QUE RAQUEL DE QUEIROZ NÃO RECEBEU

“Porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus; não vem das obras, para que ninguém se glorie.” (Efésios 2:8-9)

Quem escreve um livro, marca a história humana. Raquel de Queiroz escreveu vários. Suas marcas são muitas, como muitos são os prêmios que colecionou por causa da sua obra literária de invejável qualidade. A partir de março de 1931, quando recebeu o prêmio de romance da fundação Graça Aranha no Rio de Janeiro, a notável cearense não cessou de receber merecidas condecorações, galgando com destaque posição na galeria dos heróis da literatura nacional. Por isso recentemente tanto se tem comemorado o centenário do seu nascimento.
Quando alguém se destaca na sua vocação e recebe por isso um singular reconhecimento, tal pessoa deveria se mostrar plena em satisfação interior. Mas não foi esse o caso com a autora de “O Quinze”. Raquel de Queiroz foi daquelas pessoas que nunca escondeu o quanto a fé lhe fez falta. Não que lhe faltasse oportunidades para o engajamento religioso. Cedo, quando sua avó notou que ela não sabia rezar, recomendou que a pequena Raquel fosse matriculada no Colégio da Imaculada Conceição, para ser educada por freiras vicentinas. Assim se fez. Mas, contrário ao esperado, enquanto o conhecimento formal fixou-se em sua mente, da religiosidade somente lampejos atingiram seu coração. Desse tempo escolar, Raquel ganhou uma disposição positiva para com os temas clericais e inspiração para composição de algumas peças como “O Padrezinho Santo” e “A Beata Maria do Egito”, inspirada na tradição das beatas de Juazeiro do Norte. Além disso, escreveu inúmeras crônicas sobre o Natal, São Vicente de Paula, Santo Antônio, Dom Hélder Câmara e Padre Cícero, o dito Santo do Juazeiro, de quem guardava grata lembrança de um encontro que teve com o sacerdote caririense. Imersão no universo religioso não faltou, mas isso não tornou seu coração uma terra boa para o florescimento da fé.
Raquel de Queiroz é apenas mais um caso em que a tradição religiosa sufocou a fé. A escritora tinha muito de tradição e pouco de Bíblia, uma deficiência gritante para quem deseja ter fé. Admito que corro o risco de ser simplista na minha análise, afinal, coração é terra que ninguém anda, mas tenho a impressão de que a descrença da escritora era fruto da sua autenticidade. De toda doutrina a que foi exposta sua alma, a melhor conclusão era que a fé girava em torno de dois eixos: o do ascetismo e o do alento místico. Não tendo queda para o primeiro, nem sentindo calor no segundo, Raquel preferiu amargar a angústia da sua descrença.
Engana-se quem pensa que a falta de fé não incomodava a escritora. Ela sofria com essa carência, especialmente diante dos reveses da vida. Em entrevista, lamentou o quanto sentia a falta do amparo religioso em momentos difíceis. Dependesse dela, a fé teria florescido em seu coração.

Mas não foi assim porque, na sua sinceridade, buscava uma fé autêntica, da qual Jesus Cristo é o autor e consumador, sendo também o galardoador dos que o buscam. Fé viva, coerente e transformadora, eis o prêmio que faltou à coleção de Raquel de Queiroz. E certamente, o melhor de todos.
Conhecimento, competência, sensibilidade e méritos, tudo, Raquel os tinha em abundância. Porém a verdadeira fé não depende do que uma pessoa tem, nem do que os homens dizem, mas exclusivamente da concessão livre da graça divina. O esforço humano pode ser recompensado com a religiosidade, mas não fará brotar a fé verdadeira.
Que o Senhor Jesus, fundamento e fonte da verdadeira fé, tenha se revelado a Raquel de Queiroz, mesmo que nos últimos momentos, como fizera ao moribundo na cruz, e assim, um dia no futuro tenhamos a grata surpresa de descobrir que o que lhe faltou na vida, o Senhor a concedeu na morte.

A serviço do Mestre,

Pr. Jenuan Lira.

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